(continuação)
Tony Judt, eminente historiador recentemente falecido em Agosto passado, no seu último livro "Ill Fares the Land" [a ser editado em português pela Editora 70 no último trimestre do ano - em inglês já disponível no país] tentava alertar precisamente para esta questão, sugerindo uma defesa radical da social-democracia e do estado previdência por parte das novas gerações. Para o mesmo, ideias de pertença em comunidade e a existência de mecanismos de solidariedade, sustentáculo baluarte do modelo social europeu e indutores de maior igualdade em termos societais, tinham sido progressivamente destituídos por uma crescente individualização que acabou por gerar uma maior desigualdade, redundando numa maior sensação de insegurança e medo. Com isso, quebrou-se um ciclo virtuoso que o mundo ocidental viveu até meados da década de 70.
Obviamente, Judt defende um modelo mais igualitário, sem que no entanto belisque a liberdade individual [apoiando-se largamente em muitos estudos efectuados em países da OCDE sobre igualdade do livro "The Spirit Level - Why Equality is Better for Everyone" de Richard Wilkinson e Kate Pickett]. Mas a ideia de Estado enquanto actor central da vida colectiva, intervencionista, mas nada totalitário, à semelhança do New Deal ou do sistema alemão, é algo que o autor assume como necessário. Para o mesmo, em contextos de maior depressão económica, o Estado pode constituir a última membrana de protecção para o indivíduo.
Daí a necessidade de identificar as causas que levaram a esta erosão. Daí a necessidade de recuperar argumentos que rebatam uma visão estritamente economicista da sociedade. Daí a necessidade de recuperar um certo argumentário que se julgava perdido para contrapor ao discurso imperante nos últimos anos. Judt e a sua geração, acabam por ter sido os grande beneficiários de todos estes ganhos, sendo igualmente legítimo referir que muito provavelmente a minha geração, será a primeira que viverá tendencialmente pior que os seus pais.
Hoje em dia, todos estes conceitos têm sido postos em causa. A forte desregulação de mercados e a crescente erosão do poder dos Estados face a outras entidades económicas, é deveras real e em parte explica toda esta situação.
Face à falência dos sistemas de previdência, olhando às condições e premissas sobre os quais foram criados, urge incentivar uma rápida reflexão sobre o caminho a seguir, procurando preservar as boas valências do mesmo. Ainda que os sistemas sejam diferentes de país para país - devido a contextos histórico sócio-culturais, o debate acaba por ser o mesmo seja na Suécia, seja em França onde as greves ocorrem - com reivindicações que muito provavelmente não farão sentido- seja no nosso país, onde em minha opinião um projecto de revisão constitucional desvirtua o princípio de igualdade e livres condições de acesso a bens para a devida realização pessoal, que o Estado deveria facultar. É verdade que o nosso estado previdência não é perfeito, não está isento de falhas, nem é de longe sustentável. Mas foram inegáveis as suas conquistas. Assim como faz todo o sentido, num dos países mais desiguais da Europa Ocidental, repensar o mesmo.
Ainda que tendencialmente torça o nariz às propostas apresentadas - que supostamente não "acabarão" com o Estado Previdência, mas na prática todos já estão a ver que levarão a um consequente sub-investimento no sector público, em prol do sector privado, e aqui é uma questão ética: aos privados, por muito boa vontade que possuam, movem-se por uma questão de lucro; ao Estado deve mover a prossecução e defesa do interesse público e dos seus cidadãos - saúdo ainda assim o levantar da questão. Isto porque obriga que o outro lado possa recuperar o seu argumentário. E obriga a um repensar de um modelo que é neste momento manifestamente insustentável nestes moldes.
Aires Gouveia
[publicado em simultâneo no Bobina Desbobina]
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