18.11.10
28.10.10
11ª FESTA DO CINEMA FRANCÊS
Micmacs À Tire-Larigot – 2009
de Jean-Pierre Jeunet
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Mammuth – 2010
de Benoît Delépine e Gustave Kervern
Trailer
(continuação amanhã)
de Jean-Pierre Jeunet
Trailer
Interpretado por Danny Boon, o actor e realizador do enorme sucesso “Bem-vindo ao Norte”, encarna um tipo que se quer vingar de dois grandes barões da industria bélica, que indirectamente se cruzaram na sua vida devido a uma bala que se alujou na sua cabeça e a uma mina que matou o seu pai. Para tal recorre às estratégias mais hilariantes e a um engenhoso grupo de amigos nesta recomendável comédia.
Jeunet, detentor de uma experiência comprovada, tem-nos vindo a presentear com fabulosas comédias, entre elas “O Fabuloso Destino de Amélie”, filme este que voltou a pôr o cinema francês nos píncaros do cinema mundial. Nesta nova comédia vai buscar muito do burlesco característico do “Delicatessen”, o seu primeiro grande sucesso. Presta-lhe uma homenagem através de uma piscadela de olho em pequenos apontamentos tais como um excerto da música desse filme ou mesmo a referência ao submundo dos esgotos, aqui paralelamente retratado com o mundo dos sucateiros. De resto, todo o estilo, técnica e forma de filmar continuam a ser características imutáveis deste gigante do actual cinema francês.
Mammuth – 2010
de Benoît Delépine e Gustave Kervern
Trailer
Filme tão simples quanto bizarro, encabeçado por Gerard Depardieu, um reformado numa viagem errante ao seu passado em busca dos antigos papéis de vencimento. Mammuth é a alcunha do personagem e também o modelo da mota que o leva pela França profunda, neste livro da vida folheado ao contrário. Pelo caminho, Mammuth vai-nos dando as peças do puzzle, fornecendo-nos também pistas de que é uma pessoa tão bruta quanto sensível e simples.
Depardieu, embora cada vez mais parecido com Obélix, brinda-nos com uma representação sem mácula, numa película com algumas pinceladas de autor.
(continuação amanhã)
Pedro Mendes Madeira
Prémio de Investigação
O Prémio Fundação Mário Soares é atribuído anualmente a autores de dissertações académicas ou de outros trabalhos de investigação realizados no âmbito da História de Portugal do Século XX.
O Prémio Fundação Mário Soares é constituído por uma quantia em dinheiro, de 5.000,00 euros.Os trabalhos concorrentes deverão ser apresentados em quatro exemplares (um original e três cópias) e entregues na Fundação, ou remetidos por correio, até 22 de Dezembro de 2010.
Era uma aguardente e uma sexta-feira
«Era uma aguardente e uma sexta-feira.» E terá que ser sexta-feira, mesmo que não seja. Será sempre assim porque os patrões não gostam de ser contrariados. E os patrões são tudo, eles são a voz da razão e a garantia de estabilidade em tempos difíceis. Era assim em Menina Júlia de Strindberg, de 1888, e é assim n’O Senhor Puntilla e o Seu Criado Matti de Brecht, peça finalizada em 1948.
Há, muito provavelmente, mais aspectos semelhantes do que opostos nestas duas peças, pois em ambas surge uma (in)evitável relação dos criados com as filhas, com promessas de amor e fugas. Em ambas há deslumbramento, e há uma dura queda no gélido chão da realidade. Porque ambos se apercebem que eles são apenas criados e elas mulheres com futuro, e não há futuro para um mundo feito de dois mundos.
Contudo, duas diferenças substanciais sobressaem: em Brecht há cumplicidade e proximidade entre patrão e criado, em Strindberg não. Com o dramaturgo e encenador alemão o coro, e como é hábito na sua dramaturgia, tem um papel de destaque, sendo por isso fundamental na impreterível tomada de posição do espectador. Se até ao intervalo esse papel resume-se unicamente aos músicos e vocalistas em palco, a seguir à interrupção as três mulheres do campo, que já anteriormente tinham cantado, assumem inequivocamente o papel do coro opinativo, provocando parte do efeito de estranhamento. Este mesmo efeito encontra-se também presente com a câmara em palco e o ecrã a retransmitir a realidade. A dos personagens e a do público. O fim da terceira parede.
Sinal menos para alguns cantores/actores, mas sobretudo para o seu playback manhoso. A música contribui muito positivamente para o drama, sendo por isso de elogiar as composições de Mazgani. A máquina de cena é bastante interessante, funcional e mostra-se fundamental para as mudanças de cenário, sobretudo para a cena final. Sinal mais para Miguel Guilherme. Sim. Porque ele existe enquanto actor bem para lá do cómico, mas sempre com piada.
A peça encontra-se em cena até domingo no Teatro Aberto, e recomenda-se vivamente.
Há, muito provavelmente, mais aspectos semelhantes do que opostos nestas duas peças, pois em ambas surge uma (in)evitável relação dos criados com as filhas, com promessas de amor e fugas. Em ambas há deslumbramento, e há uma dura queda no gélido chão da realidade. Porque ambos se apercebem que eles são apenas criados e elas mulheres com futuro, e não há futuro para um mundo feito de dois mundos.
Contudo, duas diferenças substanciais sobressaem: em Brecht há cumplicidade e proximidade entre patrão e criado, em Strindberg não. Com o dramaturgo e encenador alemão o coro, e como é hábito na sua dramaturgia, tem um papel de destaque, sendo por isso fundamental na impreterível tomada de posição do espectador. Se até ao intervalo esse papel resume-se unicamente aos músicos e vocalistas em palco, a seguir à interrupção as três mulheres do campo, que já anteriormente tinham cantado, assumem inequivocamente o papel do coro opinativo, provocando parte do efeito de estranhamento. Este mesmo efeito encontra-se também presente com a câmara em palco e o ecrã a retransmitir a realidade. A dos personagens e a do público. O fim da terceira parede.
Sinal menos para alguns cantores/actores, mas sobretudo para o seu playback manhoso. A música contribui muito positivamente para o drama, sendo por isso de elogiar as composições de Mazgani. A máquina de cena é bastante interessante, funcional e mostra-se fundamental para as mudanças de cenário, sobretudo para a cena final. Sinal mais para Miguel Guilherme. Sim. Porque ele existe enquanto actor bem para lá do cómico, mas sempre com piada.
A peça encontra-se em cena até domingo no Teatro Aberto, e recomenda-se vivamente.
Scientific life under the Portuguese dictatorial regime (1929-1954)
Introduction
This paper aims at analyzing the scientific agenda of the Portuguese dictatorial regime and how it interacted with the emergence and development of two distinct communities, the community of physicists and the community of geneticists. With the word “interaction”, we mean to approach the relationship between science and politics from a dynamic point of view, considering each one as a resource for the other.The analysis of different political regimes – democratic, fascist, and communist – led Carola Sachse and Mark Walker to conclude “that no one political ideology or system is best, or for that matter worst, for supporting science.”[1] Likewise our concern is to show how science developed in Portugal under a dictatorial regime whenever its officials deemed it desirable to fund scientists and scientific institutions in order to implement their policies. We question how and in what ways specific scientific contents and practices co-evolved within a particular political context.
In this paper we use the comparative method to contrast two different groups of scientists which due to their more noticeable dissimilarities and loosely connections offer the opportunity to illustrate in more dramatic ways different instances of co-evolution of science and politics. The group of geneticists reveals a more loosely nature, the group of physicists gave way to what genuinely may be named as a research school. One emerged concurrently in the university context (University of Coimbra) and in one experimental station designed to respond to the international and political context of autarky; the other was grounded solely in the university context (University of Lisbon). Both were the result of events which took place around 1929.
In the context of peripheral countries, scientific groups were often heavily dependent on charismatic leaders, and in the same way political agendas were often dependent on the stamina and ideas of individual politicians. In the Portuguese case, the role of two scientists turned politicians, the agronomist and geneticist Sousa Câmara, and the geneticist and advocate of eugenics Tamagnini, proved crucial. Our narrative ends in 1954 when the relationships between the regime and physics changed noticeably, pushedforward by external events and the ideas of another individual, Leite Pinto.[2]
de Júlia Gaspar, Maria do Mar Gago, Ana Simões
(continue a ler em HOST- Journal of History of Science)
11ª FESTA DO CINEMA FRANCÊS
Des Hommes et Des Dieux (Dos Homens e dos Deuses) – 2010
de Xavier Beauvois
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Um drama baseado em factos reais sobre oito monges num mosteiro nos confins da Argélia. Este é um filme sobre o ser humano e a humanidade, retratando a harmonia e a ajuda entre cristãos e a população muçulmana, em dissonância com os atentados dos grupos fundamentalistas islâmicos na região. É um filme lento e pejado de dignidade, com uma enorme coerência entre o dever fazer e o fazer realmente no sentido de missão suprema.
Foi filmado em Marrocos e não na Argélia, bafejado por uma fotografia, tão mágnifica quanto silenciosa ou solitária, das altas montanhas do Atlas.
A cena do último jantar dos monges começa por ser enquadrada pela imagem reflectida num espelho rectangular passando, posteriormente, para um “close-up” de cada um dos monges ao som do Lago dos Cisnes op. 20 de Tchaikovsky. Aqui não existem falas e nesta intensa passagem o realizador procurou fazer a alusão à “Última Ceia” de Da Vinci. Demorou cinco horas para ser rodada, servindo como um pronúncio, latente nos rostos expressivos dos personagens. A música foi especialmente escolhida para reproduzir o efeito desejado
Este filme teve o Grande Prémio de Cannes 2010.
Hors-La-Loi – 2010
De Rachid Bouchareb
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Conta-nos a história de três irmãos expulsos da Argélia e da sua luta pela libertação do seu país. É um filme solidamente conseguido, encabeçado por Jamel Debbouze, o actor lançado com o filme “O Fabuloso Destino de Amélie”, cujo tema é um período da história muitas vezes esquecido. Thriller intenso, forte e bem interpretado.
(continuação amanhã)
(continuação amanhã)
Pedro Mendes Madeira
26.10.10
11ª FESTA DO CINEMA FRANCÊS
Le Concert (O Concerto) – 2009
de Radu Mihaileanu
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L’Arnacoeur – 2010
de Pascal Chaumeil
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de Radu Mihaileanu
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Retrata, em tom de comédia, a história de um grande maestro da ex-União Soviética do período de Brejnev, obrigado a abdicar da sua carreira por ir contra as políticas de exclusão de todos os músicos de origem judaica da sua orquestra de Bolshoi.
Trinta anos depois permanece no teatro Bolshoi como mero empregado de limpeza e eis que chega, equivocadamente, às suas mãos um convite por parte do Thèâtre du Chatelete para que a orquestra toque em Paris. Assim, decide reunir os antigos companheiros e músicos de há trinta anos e formar uma Orquestra de Bolshoi fictícia.
O momento final, com o Concerto para Violino em Ré Maior op. 35 de Tchaikovsky, é de tal forma apoteótico e de uma candura subliminar que arrepia até às lágrimas.
Curiosamente, a orquestra é maioritariamente formada por músicos profissionais.
Este filme foi o grande vencedor da Festa do Cinema Francês, com a atribuição do Prémio do Público no valor de 2500 euros, revertendo a favor da divulgação e distribuição do filme junto das salas portuguesas.
L’Arnacoeur – 2010
de Pascal Chaumeil
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Comédia muito divertida em que Roman Duris, o célebre actor da “Residência Espanhola”, assume o papel de Don Juan profissional, destruindo unicamente relações sem futuro. A fasquia sobe, tendo como última tarefa conquistar, em pleno Mónaco, Vanessa Paradis ou não fosse ela a companheira de longa data de Johnny Depp na vida real.
No início do filme, o poema proferido por Roman Duris em português do Brasil foi escolhido pelo próprio após declinar todas as sugestões recolhidas por técnicos.
O argumentista Laurent Zeitoun tirou a ideia deste filme de algo que lhe aconteceu no seio familiar quando se apercebeu que a prima estava apaixonada por uma pessoa que a fazia infeliz e a maltratava, sugerindo ao tio contratarem um actor dotado de artimanhas para os separar. A relação não foi por diante, não chegando a ser necessário contratar o dito actor mas este argumentista ficou com a ideia em mente.
Um título plausível para este filme seria “L’Arrache Couer” (Arranca Corações), tal como o livro de Boris Vian, embora o realizador tenha optado por L’Arnacoeur por implicar um jogo de palavras igualmente válido.
(continuação amanhã) Pedro Mendes Madeira
Em qual das mãos está escondida a Primeira República?
Amadeo de Sousa Cardoso, " A Máscara do Olho Verde", Óleo, 1915, Col. Sousa Cardoso
O jogo de criança que consiste em esconder um objecto numa mão, para outro adivinhar em que mão está, remete-me muito para este jogo de criticar ou louvar a Primeira República. Abre essa mão pirralha, vês como estava nessa mãozinha querida. Nas crianças é mais fácil, têm uma mini-mão e quando o objecto é grande não há muita volta a dar. Conquanto, é sempre importante fingir um certo desafio, pelo menos nas primeiras dez vezes que jogamos; afinal de contas, é preciso entreter a criança, mas também não desejamos que se torne burra ou manipulável. Ora, se as mãos da história são certamente enormes, qual é o tamanho da Primeira República Portuguesa?
Construir um artigo entre comemorações e jogadores profissionais é sempre arriscado. Para já tenho a vantagem de poder ter lido alguns artigos interessantes, aprender umas palavras novas, reunir um arsenal tecnológico e caseiro de defesas, críticas e piropos.
Ainda assim começo com prudência, tenho em consideração que a Primeira Republica é uma adolescente cativante de 16 anos, protegida portanto pela lei, com um pai mais velho de 90 anos (a monarquia constitucional portuguesa), e uma mãe (Portugal) que corre sempre o risco de entrar em depressão pós-parto. A verdade é que houve pouca paciência para a pequena, logo aos 16 anos a tonta ingressou num colégio militar – maldito estigma! E cem anos depois há quem diga que o pai se devia ter mantido solteiro, entusiasmando-se constitucionalmente, ou com pequenos namoros entre regeneradores e progressistas. Tenhamos um pouco de cabecinha, se uma monarquia mais republicana que aquela não existia, chame-se então os bois pelos nomes e democratize-se o sistema monárquico liberal: República.
Mas que diferenças trazia a Primeira República portuguesa? Primeiramente, é preciso ter consciência que a história não se faz apenas das conquistas, mas também dos seus sonhos, das suas paixões, das suas metades, das especificidades de uma época. Neste sentido, a Primeira República redefiniu efectivamente os símbolos da nação, palavras, imagens, ligações, e cimentou o respeito pelo cidadão. Apesar de tudo, o que ganhou pelo seu idealismo e vontade de fazer história, perdeu pela sua teatralidade, exagero, bem como, carência de um projecto económico eficaz, durante um período histórico convulso a nível mundial.
O desejo de modernizar o país é porém estimável, é um accionar da história que motiva a nação permitindo a sua existência. Contudo, se esta acção suportar o seu peso sobre uma base insípida, servirá apenas para renovar optimismos e confianças, que terminarão certamente em desilusão.
A mudança de regime não é por si só suficiente para activar a história, nem a sua legitimidade se pode defender apontando erros do regime anterior, deve sim elevar-se através das suas próprias vitórias. Pergunto novamente: qual é o tamanho dessa República? Relembro o panfleto de Almada de Negreiros sobre a exposição de Amadeo de Souza-Cardoso (1916): esta era superior à descoberta do caminho marítimo para a Índia e «a primeira descoberta de Portugal na Europa do século XX»; também ela uma modernização da alma lusa. Apesar de tudo, a exposição foi um insucesso, era pois hábito cuspir em telas modernistas e o artista seria apenas recuperado na história muitos anos mais tarde. Amadeo morreria novíssimo, em 1918, e ficava por ali a década com o saldo miúdo mais positivo na criação portuguesa da época. Qual então o saldo da Primeira República portuguesa?
Fernando Pessoa em «Como organizar Portugal» (1919) explicava: «Os homens do nosso tempo, destituídos por completo do senso das realidades, extraviados, por hipotéticos “direitos”, “justiças” e “liberdades”, da noção científica das coisas, não logram, nem mesmo em teoria, visionar a construção da prática. Um século, ou mais, de “princípios de 89”, um século, ou mais, de “liberdade, igualdade, fraternidade” tornou o geral dos europeus, salvo os alemães, obtuso para aquelas noções concretas, com as quais seguramente se constrói o futuro». Claro que seguindo um tom futurista, Pessoa assume que o segredo da organização de uma sociedade progressista é entrar em guerra, e que numa sociedade provinciana - como a portuguesa - a solução está na máquina e educação.
Realmente, festejar a Primeira República portuguesa é festejar o romantismo. A importância de «89» é hoje mais da queda do Muro de Berlim (1989) e não da Revolução Francesa (1789), que obviamente instaurou os princípios democráticos, uma forma de educar e pensar específicas, determinantes na história da humanidade. Não obstante, a Alemanha dá-nos hoje uma outra lição de «89»: a lição da prática. Vinte anos depois da reunificação, a Alemanha é o país mais influente em termos políticos e económicos da zona euro, impulsionando novas regras de jogo mais pragmáticas.
Numa pacífica União Europeia que deixou de ser romântica depois do Holocausto, que é no fundo a raiz da sua identidade, a resposta ao tempo é excessivamente alemã, mas necessária. Ainda bem que não existem alternativas viáveis à República, pois seria uma tentação deliciosa para os mais românticos.
O futuro de Portugal consiste numa identificação honesta com os valores da União Europeia, e com um tipo de democracia que se coadune com o cidadão contemporâneo, global, imagético e interactivo. A dúvida mais imediata é a seguinte: Em qual das mãos está o futuro da democracia: na esquerda ou na direita?
Sérgio Coutinho
Nasce em Lisboa, em 1987, e continua esse processo em todo o lado, autênticos partos semeados, parto aquilo, parto isto, parto daqui para fora, volto ao ventre. Entre adições e subtracções: Licenciou-se em Design na FA-UTL (2008), tem a pós-graduação em História de Arte Contemporânea na FCSH-UNL (2010), iniciou Doutoramento em História de Arte Contemporânea na FCSH-UNL (2009), aventurando-se também no Mestrado de ensino de artes visuais para 3ºciclo e secundário na Lusófona (2010). Nada mais a declarar senão o último pequeno-almoço: http://www.recreioinedito.blogspot.com/
25.10.10
11ª FESTA DO CINEMA FRANCÊS
Esta festa existe como uma Janela Discreta de tudo o que de melhor se faz no cinema de expressão francesa, promovendo a divulgação e a difusão junto das distribuidoras portuguesas.
No caso de Lisboa, são dez preenchidos dias em que a cidade se veste de francofonia à la carte, permitindo avivar o gosto por esta forma de filmar.
Quem distraidamente palmilhou os socalcos da Avenida da Liberdade no decorrer deste festival, deparou-se com uma magistral encenação, um punhado de França, trazido até nós na envolvente do cinema São Jorge. Este edifício, um cunho do Estado Novo com 60 anos de existência, foi considerado um marco para a época, por ter sido a maior sala de espectáculos do país, com capacidade para 1827 espectadores e um arsenal de inovações tecnológicas – entre elas o ar condicionado que, infelizmente, não sobreviveu nas melhores condições até aos dias de hoje. Assim, por entre a sua magnífica escadaria e varanda em consola, é-nos projectada para o exterior a ambiência gourmet em jeito de travelling[1]. Por esta moldura avista-se a desencorajante fila para a bilheteira, pares e grupos em acesas reflexões sobre ideias e filmes, erguendo-se um palco da francofilia. São os costumes e trajes, boinas e echarpes, silhuetas e fisionomias estrangeiras, bancas com filmes e discos que nos fazem crer que, até mesmo do lado de cá da cortina se glorifica para além da tela.
O cinema de autor europeu e em particular o francês têm assistido, na última década, a um florido renascer em contraste com o americano. Longe de se equiparar à insustentável e pungente denúncia social do cinema do pai Truffaut e dos outros “jovens turcos”[2] da Nouvelle Vague[3], o actual cinema francês vive da implícita necessidade autoral de fecundar e transmitir uma ideia motriz. Prima por retratar personagens solidamente construídos, o relacionamento inter-pessoal e suas idiossincrasias, tão bem espelhado nos diálogos nada gratuitos mas por vezes permeáveis à convivialidade entre tragédia e comédia. Não é um cinema de massas, não tem como fim a facturação ou a reprodução em série. É sim um cinema que procura dar um apontamento para que, volvidas as duas horas de projecção, o espectador sinta o tempo bem empregue e que tenha ingredientes para um jantar, ou mesmo eco a uma nova ideia. Todavia, a cultura francesa bem como o seu cinema padecem, de certa forma, do sindroma da Gloria Swanson em o “Crepúsculo dos Deuses”, isto por se tratar de toda uma cultura na sombra dos seus tempos de glória. Em suma, este cinema tem como pedra basilar não só o apelo à ilusão e ao entretenimento bem como um forte convite a que o espectador reflita, pensando e emocionando-se com o que vê, não se limitando meramente a receber informação, mexendo com o “eu” de cada um de nós.
Relativamente à programação, cingir-me-ei a mencionar os filmes dos quais guardo o canhoto na algibeira, filmes estes que, na sua maioria, chegarão ao circuito nacional.
(continuação amanhã)
Pedro Mendes Madeira
[1] Terminologia de cinema que retrata todo o movimento da câmara com deslocamento no espaço. Esta movimentação é normalmente obtida recorrendo a carrinhos com trilhos ou gruas, sendo normalmente utilizada para acompanhar planos-sequência para evitar cortes na acção.
[2] Alcunha dada aos críticos de cinema pertencentes aos Cahiers du Cinéma (revista francesa de cinema fundada em 1951) da qual faziam parte Jean-Luc Godard, François Truffaut, Eric Rohmer, Claude Chabrol, Jacques Rivette, entre outros.
[3] “Nova Vaga”. Termo baptizado pelo jornalista Françoise Giroud ao movimento que surgiu em França nos finais dos anos 50, associado aos primeiros filmes dos antigos críticos dos Cahiers du Cinéma, assumindo aqui o papel de realizadores.
[Nota de edição: Pedro Mendes Madeira começou no dia de hoje, uma colaboração regular neste espaço]
22.10.10
a cidade de cada um...
Pasolini e La Forma Della Citá
de Pier Paolo Pasolini e Paolo Brunatto
15' Itália 1974
Helsinki Forever
de Peter von Bagh
75' Finlândia 2008
de Pier Paolo Pasolini e Paolo Brunatto
15' Itália 1974
O filme de Pasolini, realizado para a televisão, é um poderoso ensaio sobre a forma da cidade, sobre a representação do espaço público e acerca do progresso e da transformação urbanística, tendo por base a antiga cidade italiana de Orso.
Helsinki Forever
de Peter von Bagh
75' Finlândia 2008
O filme de Peter von Bagh é uma montagem de elementos fílmicos relativos à cidade de Helsínquia – tal como é representada no cinema, na pintura, literatura, na música, num ensaio sobre a cidade, as suas imagens e a complexa relação com a História.
A cidade, e não apenas no seu confronto com o campo, sempre foi tema de filmes. Da inigualável Metropolis de Fritz Lang à mais recente Paris de Cédric Klapisch, passando pelas Wings of Desire de Wim Wenders, a cidade como personagem principal ou elemento fundamental na acção narrativa.
Douro, Fauna Fluvial, de Manoel de Oliveira ou Lisbon Story de Wim Wenders são talvez os exemplos que nos são mais próximos, pelo que ficam as questões: Como se filma a cidade de cada um de nós? Qual o melhor filme sobre uma cidade? É realmente possível filmar uma cidade ou como dizia Pasolini há algo numa cidade que lhe transmite uma identidade e personalidade própria que não pode ser capturado?
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