25.10.10

11ª FESTA DO CINEMA FRANCÊS



Esta festa existe como uma Janela Discreta de tudo o que de melhor se faz no cinema de expressão francesa, promovendo a divulgação e a difusão junto das distribuidoras portuguesas.
No caso de Lisboa, são dez preenchidos dias em que a cidade se veste de francofonia à la carte, permitindo avivar o gosto por esta forma de filmar.

Quem distraidamente palmilhou os socalcos da Avenida da Liberdade no decorrer deste festival, deparou-se com uma magistral encenação, um punhado de França, trazido até nós na envolvente do cinema São Jorge. Este edifício, um cunho do Estado Novo com 60 anos de existência, foi considerado um marco para a época, por ter sido a maior sala de espectáculos do país, com capacidade para 1827 espectadores e um arsenal de inovações tecnológicas – entre elas o ar condicionado que, infelizmente, não sobreviveu nas melhores condições até aos dias de hoje. Assim, por entre a sua magnífica escadaria e varanda em consola, é-nos projectada para o exterior a ambiência gourmet em jeito de travelling[1]. Por esta moldura avista-se a desencorajante fila para a bilheteira, pares e grupos em acesas reflexões sobre ideias e filmes, erguendo-se um palco da francofilia. São os costumes e trajes, boinas e echarpes, silhuetas e fisionomias estrangeiras, bancas com filmes e discos que nos fazem crer que, até mesmo do lado de cá da cortina se glorifica para além da tela.

O cinema de autor europeu e em particular o francês têm assistido, na última década, a um florido renascer em contraste com o americano. Longe de se equiparar à insustentável e pungente denúncia social do cinema do pai Truffaut e dos outros “jovens turcos”[2] da Nouvelle Vague[3], o actual cinema francês vive da implícita necessidade autoral de fecundar e transmitir uma ideia motriz. Prima por retratar personagens solidamente construídos, o relacionamento inter-pessoal e suas idiossincrasias, tão bem espelhado nos diálogos nada gratuitos mas por vezes permeáveis à convivialidade entre tragédia e comédia. Não é um cinema de massas, não tem como fim a facturação ou a reprodução em série. É sim um cinema que procura dar um apontamento para que, volvidas as duas horas de projecção, o espectador sinta o tempo bem empregue e que tenha ingredientes para um jantar, ou mesmo eco a uma nova ideia. Todavia, a cultura francesa bem como o seu cinema padecem, de certa forma, do sindroma da Gloria Swanson em o “Crepúsculo dos Deuses”, isto por se tratar de toda uma cultura na sombra dos seus tempos de glória. Em suma, este cinema tem como pedra basilar não só o apelo à ilusão e ao entretenimento bem como um forte convite a que o espectador reflita, pensando e emocionando-se com o que vê, não se limitando meramente a receber informação, mexendo com o “eu” de cada um de nós.

Relativamente à programação, cingir-me-ei a mencionar os filmes dos quais guardo o canhoto na algibeira, filmes estes que, na sua maioria, chegarão ao circuito nacional.

(continuação amanhã)

Pedro Mendes Madeira


[1] Terminologia de cinema que retrata todo o movimento da câmara com deslocamento no espaço. Esta movimentação é normalmente obtida recorrendo a carrinhos com trilhos ou gruas, sendo normalmente utilizada para acompanhar planos-sequência para evitar cortes na acção.
[2] Alcunha dada aos críticos de cinema pertencentes aos Cahiers du Cinéma (revista francesa de cinema fundada em 1951) da qual faziam parte Jean-Luc Godard, François Truffaut, Eric Rohmer, Claude Chabrol, Jacques Rivette, entre outros.
[3] “Nova Vaga”. Termo baptizado pelo jornalista Françoise Giroud ao movimento que surgiu em França nos finais dos anos 50,  associado aos primeiros filmes dos antigos críticos dos Cahiers du Cinéma, assumindo aqui o papel de realizadores.



[Nota de edição: Pedro Mendes Madeira começou no dia de hoje, uma colaboração regular neste espaço]

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